sábado, 17 de março de 2012

MARI - (Jayme Cardozo Jr.)


Era sempre assim quando chegávamos ao Shpping! Mari simplesmente deixava de ser Mari. A 'espanhola' dura na queda, sisuda de poucas palavras sumia, e renascia como das outras vezes ali, a 'espanhola' com cara alegre, sorriso para tudo; e duas, até três vezes na praça de alimentação antes e depois do cinema.
"Olha aquela sandália, Gilbertinho!" "Olha esse vestido, Gilbertinho!" "Ah, eu sempre quis uma bolsa dessa!" - ela com seu sotaque hispânico.
Quem ficasse lá embaixo a observar quem descia pela escada rolante, nesse momento veria uma uma mulher forte, extremamente alta, na faixa dos quarenta e cinco anos, de pela branca e cabelos negríssimos descendo com sacolas penduradas pelas mãos e braços. Era o dia, era a tarde de Mari.
Até já dentro do carro, ia Mari comentando o filme, falando do cinto de couro ou do vestido que não estava muito caro... falando, falando...
Em algumas vezes quando a chamavam-na de espanhola, o que era comum, ela respondia: "Espanhola não lindo! Basca! Eu sou basca!"
Mari apareceu na loja de meu pai procurando emprego quando eu ainda era bem garoto. Conseguiu o emprego e depois de alguns anos transferiu-se para nossa casa tornando-se a secretária de meu pai, a pessoa de confiança do velho. Era o braço direito dele, principalmente em época de eleições, correndo pra lá e prá com a candidatura de meu pai que nessa época já não se elegia vereador por duas eleições consecutivas.
Quando nossa mãe morreu, Mari mostrou-se definitivamente ser a pessoa perfeita para estar ao lado de meu pai. Cuidou de tudo dando a ele e a nós filhos, apoio e aquele carinho matriarcal basco, um tanto quanto rude, é verdade, mas verdadeiro, sem fingimentos. Foi, tenho certeza, a grande responsável pela volta à lucidez de meu pai, que caíra em profunda depressão com a perda de nossa mãe. Por quase um ano inteiro meu pai ficou emocionalmente abalado. Mari além de resolver muitos dos problemas: loja, casa, problemas que surgiam por conta da situação emocional de meu pai, também, acredito eu, dia a dia ia levantando a autoestima dele, com suas palavras de ânimo e também muitas vezes com suas repreensões. Repreensões estas, naquele estilo basco dela, sempre em voz alta, para com aquela "entrega emocional", como ela dizia. Ele, estando naquela situação, ficava quieto aceitando de certa forma a repreenção incentivadora de Mari, e assim acho que foi se aprumando, voltando mesmo a ser o nosso velho pai, o velho comerciante com espírito político de antes.
Certa vez, Mari chegando a nossa loja para falar com meu pai teve uma surpresa ao adentrar o recinto.
Meu pai e eu alguns segundos antes dela entrar fomos rendidos por dois pivetes armados com um revólver, que aos berros queriam o dinheiro do caixa. Meu pai, depois disse que jamais em quase cinquentas anos no comércio fora assaltado, mesmo sempre trabalhando no comércio de São Paulo.
Pois bem, mas o que aconteceu em seguida foi surpreendente! Mari entrou e nem demostrou susto. Com seu tamanho descomunal sem que se persebesse direito caiu em cima dos pivetes e depois de num tempo indecifrável de rápido, tomou o revólver dum deles e dominou-os pelo pescoço, um em cada braço. Foi fantástico, assustador e depois cômico.

Lembro-me como se fosse hoje, abril de 1983, de quando a Polícia Civil esteve na nossa loja juntamente com um representante do consulado espanhol a procura de Mari. Acharam-na em casa. Levaram-na sem nos dar muitas explicações, a não ser a meu pai que teve que comparecer a sede da polícia para depor. Ele também nunca nos deu detalhes do que realmente aconteceu, de quem na verdade era Mari, falava às vezes somente sobre o óbvio: Mari, basca, Espanha, terrorismo... Ele também sempre comentava conosco, com tristeza no olhar que Mari agora extraditada para a Espanha, jamais voltaria a estar em nosso meio.



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