sexta-feira, 16 de março de 2012

A CAIXA DE PANDORA - (Jayme Cardozo Jr.)


--- Eu quero mudar o mundo, sim! (ele em tom de brincadeira)
--- Mudar o mundo é coisa pra jovem. Aliás é coisa de jovem. Quando se é jovem vovô é que se tem essa idéia na cabeça. Eu também quando era jovem queria mudar o mundo. (risos)
--- Mas você ainda é jovem minha filha.
--- Sim... mas uma jovem com mais de trinta.
--- Esse mundo está muito diferente do mundo do meu tempo, do mundo da época em que eu tinha mais de trinta anos.
--- É eu sei vovô! mas a gente tem que aceitar o mundo, as mudanças do mundo... o sr. não acha isso né?
--- Não, não acho! Aceitar a mudança é uma coisa, agora aceitar, se conformar com essa sem-vergonhice toda que está aí, é outra coisa completamente diferente.

--- E como o sr. vai mudar o mundo vovô?
--- Estou fazendo um vídeo aqui e vou colocar na internet...
--- Deixa eu ver...
--- Não Dora, ainda não está pronto.
--- E o sr. acha que esse vídeo vai mudar o mundo?
--- Tudo bem! Pode até não mudar o mundo, mas quem vê-lo, o jovem que vê-lo, vai ao menos saber como era o mundo, como eram as pessoas a sessenta, noventa anos atrás.
--- Sei vovô! O sr. está sempre me dizendo como era o mundo no seu tempo...
--- É, então... você não vai mesmo querer ver o vídeo... você já sabe tudo... já está enjoada de ouvir de mim essas reclamações, que na verdade são afirmações. (sisudo)
--- Tá bom, vovô, tá bom vovô.
--- Você está cansada de saber por exemplo que no meu tempo as pessoas se respeitavam mais. Eram mais sociais... e não existia internet, redes sociais, não...
--- Sei...
--- Bate-papo era cara a cara, na varanda da casa, com direito ao cantar dos pássaros e visão da natureza mesmo se estivéssemos na casa da cidade.
--- Legal isso, vovô.
--- Não ficava parecendo que faltou algo nessas interações que tínhamos cara a cara, entendeu... como agora acontece por meio dessa Caixa de Pandora, entendeu? A gente se fazia entender mesmo não tendo muito dom para isso... às vezes um olhar em meio a conversa tirava dúvidas... como deve ser até hoje se fizermos isso, se conversarmos de verdade com o interloctor, cara a cara.
--- O sr. está me saindo um grandissíssimo crítico da Era atual, isso sim. (risos, mexendo na estante)
--- Acho que naquele tempo as pessoas não tinham tantos problemas na cuca como têm agora. divã era a roda de amigos, o divã se fazia ao receber visitas...
--- Bom tempo mesmos aqueles heim vovô?
--- Havia mais confiança uns nos outros, e menos desconfiança. Até o forasteiro estranho merecia nossa confiança. Quem não merecia nossa confiança era bandido, e bandido não se misturava de forma alguma aos nossos grupos naquelas horas de descontrações que os formávamos. Hoje por aqui, por esta janelinha...
--- A Caixa de Pandora? (risos)
--- Sim a Caixa de Pandora! Por aqui, pela Caixa de Pandora, você nunca sabe direito quem é quem, se quem diz ser quem é, é mesmo quem se diz ser... você acaba até descobrindo que quem você achava que era assim, na verdade é assado. (risos)
--- O sr. me faz rir desse jeito vovô!
--- Olha, quer saber de uma coisa Dorinha? O mundo novo, essa certa união de todos e de tudo através daCaixa de Pandora tem lá suas vantagens, mas pra mim, as desvantagens são maiores. Estou aqui, conversando com o Eurico, com a Isa, e tem até um jovenzinho aqui querendo fazer uma entrevista comigo para um trabalho de escola... e quer a todo custo que essa entrevista seja por aqui, por bate papo... ah, tenha santa paciência. Já disse a ele pra vir aqui em casa que fazemos a entrevista tomando um chimarrão, mas que nada, ele já me encheu aqui com perguntas da entrevista... quer a entrevista pela Caixa de Pandora!
--- Mas olha vovô, acho melhor o sr. encerrar aí com a Caixa de Pandora, viu! Não se esqueça, o sr. que será homenageado na Universidade amanhã cedinho... tem que descançar!
--- Você está certa! Só vou convencer esse moço a uma entrevista cara a cara e já desligo aqui. Mudar o mundo, as pessoas eu sei que nunca vou conseguir mesmo! Isso é coisa pra Deus em sua maneira de fazer a água subir à bunda das pessoas...
--- ah,vovô o sr. sempre me fazendo rir...
--- No meu tempo também, filhos e netos jamais interromperiam uma conversa de verdade, uma conversa cara a cara na sala ou na varanda... mas acabou pra sempre esse tipo de interação né... deixa eu desligar aqui...

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